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Viagens da nossa terra, La Alberca


Uma nova rubrica semanal de Diogo Xavier, estudante da FLUC  e viajante a tempo parcial.

La Alberca



Estamos na estrada laranja. Saímos da grande civilização, Madrid, Barcelona, uma escala imensa de um país que se corrói. Saímos dali e fomos pela estrada laranja, pelo caminho das folhas transtornadas pelas pisadelas dos porcos pretos, into the wild, até que alguma coisa nos chamasse para dizer

- es aqui


Parámos à entrada da rua escura e seguimo-la, sugando a chuva. Os espanhóis olham de uma forma densa, estão amargurados, são utilizadores de um país que já não quer sê-lo. Nenhum dos espanhóis fala a mesma língua na rua principal de La alberca. Nenhum dos espanhóis fala. A rua tem solidão de corvo, casas cobertas de madeira e as bruxas das lojas, não de vassouras e chapéu bicudo, bruxas de olhar tristemente sereno. Não são manequins nem reais, talvez tenham alguma importância na povoação, não sabemos. Não perguntámos. As pessoas de Espanha não estão preparadas para receber perguntas. As bruxas, que o não são, encontram-se levemente empoeiradas. As pessoas de Espanha, desiludidas com o país que o não tem sido, continuam reservando um lugar de destaque às suas bruxas. No entanto, deixaram de cuidar delas. O que significam as bruxas? Entrámos numa taberna e vimos. Eles andam tristes com isto. A chuva caía como vai caíndo a Espanha. Fria e impiedosa, acção veloz vertical bélica. As bruxas não podem ajudar. Falaram connosco, o casal da loja de presuntos. Disseram que ele estava numa casa de resistência na Bélgica. Havia pena nos olhares. Depois o homem virou costas, jogou uma nota de vinte na máquina. Pensámos

- o lucro do presunto, vai disparatá-lo já


Observámos o jogo e, ao mesmo tempo, as cervejas que se bebiam. A máquina sorria pouco. Oscilações? Dos vinte aos dezasseis. Dos dezasseis aos vinte e quatro. Dos vinte e quatro aos zero. Vivem-se tempos de decadência espanhola. As bruxas não ajudam porque, empoeiradas, apenas sobrevivem.

Já tinhamos visitado a igreja. Escura, se iluminava a cada moeda de um euro depositada. Velha, de musgo nas axilas. Voltámos à praceta central. O homem da loja brinquedos pedia ajuda ao seu filho nas arrumações

- o meu pai trabalha no melhor sítio do mundo


Devia pensar o miúdo. As crianças espanholas são iguais às de todo o mundo ocidental. Mas os adultos não. Andam de sobrancelhas esgueiradas. Como será seres contemporâneo da morte do teu país? O futebol continua, a vida continua. Os porcos pretos continuam crescendo e as folhas pisadas continuam a sua transformação


Natural. Tínhamos saído da grande civilização. Voltámos ao início da rua. Olhámos para o caminho que havíamos percorrido. As pessoas fechavam as lojas e as casas, cabisbaixas. Tivemos uma certez. A revolução chegara a La alberca.




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